terça-feira, 30 de setembro de 2008

CENTENÁRIO DA MORTE DE MACHADO DE ASSIS

(Tela de Henrique Bernardelli)
.
.
AS ROSAS - MACHADO DE ASSIS
.
Rosas que desabrochais,
Como os primeiros amores,
Aos suaves resplendores
Matinais;
Em vão ostentais, em vão,
A vossa graça suprema;
De pouco vale; é o diadema
Da ilusão.
.
Em vão encheis de aroma o ar da tarde;
Em vão abris o seio úmido e fresco
Do sol nascente aos beijos amorosos;
Em vão ornais a fronte à meiga virgem;
Em vão, como penhor de puro afeto,
Como um elo das almas,
Passais do seio amante ao seio amante;
Lá bate a hora infausta
Em que é força morrer; as folhas lindas
Perdem o viço da manhã primeira,
As graças e o perfume.
.
Rosas que sois então? – Restos perdidos,
Folhas mortas que o tempo esquece, e espalha
Brisa do inverno ou mão indiferente.
Tal é o vosso destino,
Ó filhas da natureza;
Em que vos pese à beleza,
Pereceis;
Mas, não... Se a mão de um poeta
Vos cultiva agora, ó rosas,
Mais vivas, mais jubilosas,
Floresceis.
.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Poesia e Amor - Casmiro de Abreu


(Tela de Peter Schmersal)
.
.
A tarde que expira,
A flor que suspira,
O canto da lira,
Da lua o clarão;
Dos mares na raia
A luz que desmaia,
E as ondas na praia
Lambendo-lhe o chão;
.
Da noite a harmonia
Melhor que a do dia,
E a viva ardentia
Das águas do mar;
A virgem incauta,
As vozes da flauta,
E o canto do nauta
Chorando o seu lar;
.
Os trêmulos lumes,
Da fonte os queixumes,
E os meigos perfumes
Que solta o vergel;
As noites brilhantes,
E os doces instantes
Dos noivos amantes
Na lua de mel;
.
Do templo nas naves
As notas suaves,
E o trino das aves
Saudando o arrebol;
As tardes estivas,
E as rosas lascivas
Erguendo-se altivas
Aos raios do sol;
.
A gota de orvalho
Tremendo no galho
Do velho carvalho,
Nas folhas do ingá;
O bater do seio,
Dos bosques no meio
O doce gorjeio
Dalgum sabiá;
.
A órfã que chora,
A flor que se cora
Aos raios da aurora,
No albor da manhã;
Os sonhos eternos,
Os gozos mais ternos,
Os beijos maternos
E as vozes de irmã;
.
O sino da torre
Carpindo quem morre,
E o rio que corre
Banhando o chorão;
O triste que vela
Cantando à donzela
A trova singela
Do seu coração;
.
A luz da alvorada,
E a nuvem dourada
Qual berço de fada
Num céu todo azul;
No lago e nos brejos
Os férvidos beijos
E os loucos bafejos
Das brisas do sul;
.
Toda essa ternura
Que a rica natura
Soletra e murmura
Nos hálitos seus,
Da terra os encantos,
Das noites os prantos,
São hinos, são cantos
Que sobem a Deus!
.
Os trêmulos lumes,
Da veiga os perfumes,
Da fonte os queixumes,
Dos prados a flor,
Do mar a ardentia
Da noite a harmonia,
Tudo isso é – poesia!
Tudo isso é – amor!
.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

As Brisas - Machado de Assis

(Tela de Tarsila do Amaral)
.
.
Deu-nos a harpa eólia a excelsa melodia
Que a folhagem desperta e torna alegre a flor,
Mas que vale esta voz, ó musa da harmonia,
Ao pé da tua voz, filha da harpa do amor?

.
Diz-nos tu como houveste as notas do teu canto?
Que alma de serafim volteia aos lábios teus?
Donde houveste o segredo e o poderoso encanto
Que abre a ouvidos mortais a harmonia dos céus?
.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Loucura - Florbela Espanca

(Tela de Paul Klee)
.
.
Tudo cai! Tudo tomba! Derrocada
Pavorosa! Não sei onde era dantes.
Meu solar, meus palácios meus mirantes!
Não sei de nada, Deus, não sei de nada!...
.
Passa em tropel febril a cavalgada
Das paixões e loucuras triunfantes!
Rasgam-se as sedas, quebram-se os diamantes!
Não tenho nada, Deus, não tenho nada!...
.
Pesadelos de insônia, ébrios de anseio!
Loucura a esboçar-se, a enegrecer
Cada vez mais as trevas do meu seio!
.
Ó pavoroso mal de ser sozinha!
Ó pavoroso e atroz mal de trazer
Tantas almas a rir dentro da minha!
.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Plenilúnio - Cruz e Souza


(Tela de Neiva Passuello)
.
.
Vês este céu tão límpido e constelado
E este luar que em fúlgida cascata,
Cai, rola, cai, nuns borbotões de prata...
Vês este céu de mármore azulado...
.
Vês este campo intérmino, encharcado
Da luz que a lua aos páramos desata...
Vês este véu que branco se dilata
Pelo verdor do campo iluminado...
.
Vês estes rios, tão fosforescentes,
Cheios duns tons, duns prismas reluzentes,
Vês estes rios cheios de ardentias...
.
Vês esta mole e transparente gaze...
Pois é, como isso me parecem quase
Iguais, assim, às nossas alegrias!
.

sábado, 20 de setembro de 2008

Passatempo - Carlos Drummond de Andrade

(Tela de Van Gogh)
.
.
O verso não, ou sim o verso?
Eis-me perdido no universo
do dizer, que, tímido, verso,
sabendo embora que o que lavra
só encontra meia palavra.
.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Às Vezes - Álvaro de Campos


(Tela de Carl Spitzweg)
.
.
Às vezes tenho idéias felizes,
Idéias subitamente felizes, em idéias
E nas palavras em que naturalmente se despegam...
.
Depois de escrever, leio...
Por que escrevi isto?
Onde fui buscar isto?
De onde me veio isto? Isto é melhor do que eu...
Seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta
Com que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?...
.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

CONVITE - EXPOSIÇÃO MOMENTOS INFANTIS DE NEIVA PASSUELLO

Com enorme satisfação participo aos meus leitores:
Exposição Momentos Infantis de Neiva Passuello
Data: 22 de setembro a 11 de outubro de 2008,
Espaço Cultural da Unindus Universidade da Indústria
Avenida Comendador Franco, 1341, Jardim Botânico
Curitiba - Paraná








terça-feira, 16 de setembro de 2008

Crepuscular - Raul de Leoni


(Tela de Neiva Passuello)
.
.
Poente no meu jardim... O olhar profundo
Alongo sobre as árvores vazias,
Essas em cujo espírito infecundo
Soluçam silenciosas agonias.
.
Assim estéreis, mansas e sombrias,
Sugerem à emoção em que as circundo
Todas as dolorosas utopias
De todos os filósofos do mundo.
.
Sugerem... Seus destinos são vizinhos:
Ambas, não dando frutos, abrem ninhos
Ao viandante exânime que as olhe.
.
Ninhos, onde vencida de fadiga,
A alma ingênua dos pássaros se abriga
E a tristeza dos homens se recolhe...
.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Blogagem Coletiva - Justiça para Flávia


“O drama da justiça estatal é o de atuar de maneira a corresponder à confiança que nela deposita aquele que se considera vítima de lesão jurídica. A prestação jurisdicional, para ele, é quase sempre a última esperança. A tutela específica e as medidas antecipatórias e sub-rogatórias que a completam não podem falhar, seja por omissão do órgão judicial, seja por uso injustificado e, portanto, abusivo. Em qualquer caso o que se desmerecerá, perante o jurisdicionado e ainda no consenso social, será a própria justiça a quem a ordem constitucional confiou a manutenção da ordem jurídica e a realização da tutela a todos os direitos subjetivos violados ou ameaçados. Perder-se a confiança na justiça é o último e pior mal que pode assolar o Estado Democrático de Direito”. (Humberto Theodoro Júnior in Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer, texto extraído do Jus Navigandi: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2904).
..
.
....................
A morosidade e a burocracia judiciárias que atingem a nossa realidade são frutos também de um excesso de rigor formal e de uma vasta quantidade de recursos permitidos em nosso sistema processual, que muitas vezes, são utilizados de forma maliciosa para “ganhar-se tempo”. Infelizmente ha um permissivo legal para isso. A legislação existe e o Poder Judiciário precisa aplicá-la. Para mudarmos o quadro de nossa realidade, necessitamos de muitas reformas. Uma das mais urgentes é em nossa legislação processual que é feita, na esfera federal, pelo Congresso Nacional.
.
....................Independente de todo o caos instaurado, jamais podemos perder a credulidade na Justiça!
.
....................Neste dia em que muitas pessoas estão unidas pelo ideal de se pedir JUSTIÇA para o caso Flávia, deixo aqui um abraço especial à Odele Souza uma mulher guerreira e uma mãe excepcional e dedicada.
.
....................Para maiores informações acesse: http://flaviavivendoemcoma.blogspot.com/
.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Por Ortega y Gasset ...


(Tela de Edward Hopper)
.
.

"Leio para aumentar o meu coração e não para ter o gosto de contemplar como as regras da gramática se cumprem uma vez mais nas páginas do livro."
.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Por Clarice Lispector ...

(Tela de Clarice Lispector)
.
.
"Minhas desequilibradas palavras são o luxo do meu silêncio.
Escrevo por profundamente querer falar.
Embora escrever só esteja me dando a grande medida do silêncio".
.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Cai Chuva do Céu Cinzento - Fernando Pessoa


(Tela de Izabel Cardoso)
.
Cai chuva do céu cinzento
Que não tem razão de ser.
Até o meu pensamento
Tem chuva nele a escorrer.
.
Tenho uma grande tristeza
Acrescentada à que sinto.
Quero dizer-ma mas pesa
O quanto comigo minto.
.
Porque verdadeiramente
Não sei se estou triste ou não,
E a chuva cai levemente
(Porque Verlaine consente)
Dentro do meu coração.
.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Por Ricardo Reis ...

(Tela de Neiva Passuello)
.
.
Estás só.
Ninguém o sabe.
Cala e finge.
Mas finge sem fingimento.
Nada 'speres que em ti já não exista,
Cada um consigo é triste.
Tens sol se há sol, ramos se ramos buscas,
Sorte se a sorte é dada.
.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Amigos Meus - Vinícius de Moraes


(Tela de Tarsila do Amaral)
.
.
Ah, meus amigos, não vos deixeis morrer assim... O ano que passou levou tantos de vós e agora os que restam se puseram mais tristes; deixam-se, por vezes, pensativos, os olhos perdidos em ontem, lembrando os ingratos, os ecos de sua passagem; lembrando que irão morrer também e cometer a mesma ingratidão.
.
Ide ver vossos clínicos, vossos analistas, vossos macumbeiros, e tomai sol, tomai vento, tomai tento, amigos meus! – porque a Velha andou solta este último Bissexto e daqui a quatro anos sobrevirá mais um no Tempo e alguns dentre vós – eu próprio, quem sabe? – de tanto pensar na Última Viagem já estarão preparando os biscoitos para ela.

Eu me havia prometido não entrar este ano em curso – quando se comemora o 19640 aniversário de um judeu que acreditava na Igualdade e na justiça – de humor macabro ou ânimo pessimista. Anda tão coriácea esta República, tão difícil a vida, tão caros os gêneros, tão barato o amor que – pombas! – não há de ser a mim que hão de chamar ave de agouro. Eu creio, malgrado tudo, na vida generosa que está por aí; creio no amor e na amizade; nas mulheres em geral e na minha em particular; nas árvores ao sol e no canto da juriti; no uísque legítimo e na eficácia da aspirina contra os resfriados comuns. Sou um crente – e por que não o ser? A fé desentope as artérias; a descrença é que dá câncer.

Pelo bem que me quereis, amigos meus, não vos deixeis morrer. Comprai vossas varas, vossos anzóis, vossos molinetes, e andai à Barra em vossos fuscas a pescar, a pescar, amigos meus! – que se for para engodar a isca da morte, eu vos perdoarei de estardes matando peixinhos que não vos fizeram mal algum. Muni-vos também de bons cajados e perlustrai montanhas, parando para observar os gordos besouros a sugar o mel das flores inocentes, que desmaiam de prazer e logo renascem mais vivas, relubrificadas pela seiva da terra. Parai diante dos Véus-de-Noiva que se despencam virginais, dos altos rios, e ride ao vos sentirdes borrifados pelas brancas águas iluminadas pelo sol da serra. Respirai fundo, três vezes o cheiro dos eucaliptos, a exsudar saúde, e depois ponde-vos a andar, para frente e para cima, até vos sentirdes levemente taquicárdicos. Tomai então uma ducha fria e almoçai boa comida roceira, bem calçada por pirão de milho. O milho era o sustentáculo das civilizações índias do Pacífico, e possuía status divino, não vos esqueçais! Não abuseis da carne de porco, nem dos ovos, nem das frituras, nem das massas. Mantende, se tiverdes mais de cinqüenta anos, uma dieta relativa durante a semana a fim de que vos possais esbaldar nos domingos com aveludadas e opulentas feijoadas e moquecas, rabadas, cozidos, peixadas à moda, vatapás e quantos. Fazei de seis em seis meses um check-up para ver como andam vossas artérias, vosso coração, vosso figado.

E amai, amigos meus! Amai em tempo integral, nunca sacrificando ao exercício de outros deveres, este, sagrado, do amor. Amai e bebei uísque. Não digo que bebais em quantidades federais, mas quatro, cinco uísques por dia nunca fizeram mal a ninguém. Amai, porque nada melhor para a saúde que um amor correspondido.

Mas sobretudo não morrais, amigos meus!
.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

O Nascimento do Prazer - Clarice Lispector

(Tela de Portinari)
.
.
Trecho
.

O prazer nascendo dói tanto no peito que se prefere sentir a habituada dor ao insólito prazer. A alegria verdadeira não tem explicação possível, não tem a possibilidade de ser compreendida - e se parece com o início de uma perdição irrecuperável. Esse fundir-se total é insuportavelmente bom - como se a morte fosse o nosso bem maior e final, só que não é a morte, é a vida incomensurável que chega a se parecer com a grandeza da morte. Deve-se deixar-se inundar pela alegria aos poucos - pois é a vida nascendo. E quem não tiver força, que antes cubra cada nervo com uma película protetora, com uma película de morte para poder tolerar a vida. Essa película pode consistir em qualquer ato formal protetor, em qualquer silêncio ou em várias palavras sem sentido. Pois o prazer não é de se brincar com ele. Ele e nós.
.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

A Pequena Morte - Eduardo Galeano



(Tela de Frederic Leighton)
.
.
"Não nos provoca riso o amor quando chega ao mais profundo de sua viagem, ao mais alto de seu vôo: no mais profundo, no mais alto, nos arranca gemidos e suspiros, vozes de dor, embora seja dor jubilosa, e pensando bem não há nada de estranho nisso, porque nascer é uma alegria que dói. Pequena morte, chamam na França, a culminação do abraço, que ao quebrar-nos faz por juntar-nos, e perdendo-nos faz por nos encontrar e acabando conosco nos principia. Pequena morte, dizem; mas grande, muito grande haverá de ser, se ao nos matar nos nasce."
.
.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Memória - Cecília Meireles


(Tela de Carl Larsson)
.
.
Minha família anda longe
contravos de circunstancias:
uns converteram-se em flores,
outros em pedra, água, líquen,
alguns, de tanta distância,
nem têm vestígios que indiquem
uma certa orientação.
.
Minha família anda longe,
- Na Terra, na Lua, em Marte
-uns dançando pelos ares,
outros perdidos no chão.
.
Tão longe, a minha família!
Tão dividida em pedaços!
Um pedaço em cada parte...
Pelas esquinas do tempo,
brincam meus irmãos antigos:
uns anjos, outros palhaços...
Seus vultos de labareda
rompem-se como retratos
feitos em papel de seda.
Vejo lábios, vejo braços,
- por um momento, persigo-os;
de repente os mais exatos,
perdem a sua exatidão.
Se falo, nada responde.
Depois, tudo vira vento,
e nem o meu pensamento
pode compreender por onde
passaram nem onde estão.
.
Minha família anda longe.
Mas eu sei reconhecê-la:
um cílio dentro do Oceano...
uma ruga num caminho
caída como pulseira,
um joelho em cima da espuma,
um movimento sozinho
aparecido na poeira...
Mas tudo vai sem nenhuma
noção de destino humano,
de humana recordação.
.
Minha família anda longe.
reflete-se em minha vida,
mas não acontece nada:
por mais que eu esteja lembrada,
ela se faz de esquecida:
não há comunicação!
Uns são nuvem, outros lesma...
Vejo as asas, sinto os passos
de meus anjos e palhaços,
numa ambígua trajetória
de que sou o espelho e a história.
Murmuro para mim mesma:
"É tudo imaginação!"
.
Mas sei que tudo é memória...
.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Equilíbrio - Henriqueta Lisboa


(Tela de Wassily Kandinsky)
.
.
Estar não estando
no riso e no pranto.
Posso ir sem domínio dentro do possível.
Ser de si o oposto
sem deixar de ser
imóvel movente
que só por angústia
de tempo resvala
para achar o fluxo
do plectro em refluxo.
Pendente da sorte
do imã da força
dos próprios recuos, o pêndulo pende
mediante a tangência
de eflúvios
que estuam
adversosà inércia.
.