sexta-feira, 30 de maio de 2008

Por Alberto Caeiro ...


(Tela de Di Cavalcanti - Pescador Galego)
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Quem me dera que eu fosse o pó da estrada
E que os pés dos pobres me estivessem pisando...
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Quem me dera que eu fosse os rios que correm
E que as lavadeiras estivessem à minha beira...
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Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio
E tivesse só o céu por cima e a água por baixo...
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Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro
E que ele me batesse e me estimasse...
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Antes isso que ser o que atravessa a vida
Olhando para trás de si e tendo pena...
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quinta-feira, 29 de maio de 2008

Por Adélia Prado...


(Tela de W. Maguetas)
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Minha alma é um bolso onde guardo minhas memórias vivas. Memórias vivas são aquelas que continuam presentes no corpo. Uma vez lembradas, o corpo ri, chora, comove-se, dança... "O que a memória amou fica eterno"...

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quarta-feira, 28 de maio de 2008

Bondade - Cruz e Souza


(Tela de Neiva Passuello - Meiguice)
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É a bondade que te faz formosa,
que a alma te diviniza e transfigura;
é a bondade a rosa da ternura,
que te perfuma com perfume à rosa.
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Teu ser angelical de luz bondosa,
verte em meu ser a mais sutil doçura,
uma celeste, límpida frescura,
um encanto, uma paz maravilhosa.
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Eu afronto contigo os vampirismos,
os corruptos e mórbidos abismos,
que em vão busquem tentar-me no caminho.
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Na suave, na doce claridade,
no consolo de amor dessa bondade
bebo a tu'alma como etéreo vinho.
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segunda-feira, 26 de maio de 2008

Por Rubem Alves ...


(Farnese de Andrade - Estudante)
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“... Cada palavra deve ter reticências para o pensamento continuar seu vôo...”
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sexta-feira, 23 de maio de 2008

Flama - Helena Kolody


(Tela de Neiva Passuello - Homenagem às Crianças do Paraná)
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Na flama divina
que em nós resplandece,
palpita a alegria
de ser para sempre.


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quarta-feira, 21 de maio de 2008

Orgulho - Henriqueta Lisboa


(Tela de Portinaria - Retrato de Maria de Medeiros)
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Pago caro o orgulho
de buscar na vida
aquilo que busco.
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Desdenho a fumaça
que oscila no vento:
nas mãos da consciência
tenho cinza fria.
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Às impuras águas
plasma qualquer forma:
e agonizo lenta
com sede nos lábios.
Pago caro o orgulho
de querer perfeita
minha vida efêmera.
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terça-feira, 20 de maio de 2008

Douve Fala - Yves Bonnefoy



(Tela de Lucy Citti Ferreira - Figura Masculina)
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Que palavra surgiu perto de mim,
Que grito nasce numa boca ausente?
Mal posso ouvir o grito contra mim,
Mal sinto o hálito que me nomeia.
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No entanto o grito em mim vem de mim mesmo,
Estou murado em minha extravagância.
Que voz divina ou que estranha voz
Consentira habitar o meu silêncio?
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segunda-feira, 19 de maio de 2008

Por Clarice Lispector


(Tela de W. Maguetas - Sabrina)
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"Que música belíssima ouço no fundo de mim. É feita de traços geométricos se entrecruzando no ar. É música de câmara. Música de câmara é sem melodia. E modo de expressar o silêncio. O que te escrevo é de câmara".

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domingo, 18 de maio de 2008

Homenagem à Zèlia Gattai


CONCLUSÃO
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....."Aos oitenta e três anos, dona de imensa experiência de vida, de alegrias e tristezas, sucessos e decepções, chego a uma conclusão: só morrem, desaparecem de vez, as pessoas qua não foram amadas, pessoas que por terem sido más, não deixaram saudades na terra, não são lembradas. Dessas, mesmo em vida, esqueço seus nomes".
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(Cittá di Roma, 5a ed., p. 171)
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Uma homenagem à escritora Zélia Gattai falecida em 17 de maio de 2008
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sexta-feira, 16 de maio de 2008

Dialética - Vinícius de Moraes


(Tela de Rembrandt - Auto Retrato)
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É claro que a vida é boa
E a alegria, a única indizível emoção
É claro que te acho linda
Em ti bendigo o amor das coisas simples
É claro que te amo
E tenho tudo para ser feliz
Mas acontece que eu sou triste...
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quinta-feira, 15 de maio de 2008

O Sonho - Clarice Lispector


(Tela de Neiva Passuello - Posando para Foto)
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Sonhe com aquilo que você quiser.
Seja o que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida e nela
só se tem uma chance
de fazer aquilo que quer.
Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.
As pessoas mais felizes não têm as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor das oportunidades
que aparecem em seus caminhos.
A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam.
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem a importância das pessoas
que passam por suas vidas.
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quarta-feira, 14 de maio de 2008

Assim eu Vejo a Vida - Cora Coralina


(Tela de Ary Salles)
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A vida tem duas faces:
Positiva e negativa
O passado foi duro
mas deixou o seu legado
Saber viver é a grande sabedoria
Que eu possa dignificar
Minha condição de mulher,
Aceitar suas limitações
E me fazer pedra de segurança
dos valores que vão desmoronando.
Nasci em tempos rudes
Aceitei contradições
lutas e pedras
como lições de vida
e delas me sirvo
Aprendi a viver.
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terça-feira, 13 de maio de 2008

Traduzir-se - Ferreira Gullar


(Tela de Di Cavalcanti)
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Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
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Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
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Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
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Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
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Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
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Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
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Traduzir uma parte
na outra parte
que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?
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domingo, 11 de maio de 2008

Mãe - Mário Quintana


(Tela de William-Adolphe Bouguereau. - Mãe com seus Filhos)
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Mãe...
São três letras apenas
As desse nome bendito:
Também o Céu tem três letras...
E nelas cabe o infinito.
Para louvar nossa mãe,
Todo o bem que se disse
Nunca há de ser tão grande
Como o bem que ela nos quer...
Palavra tão pequenina,
Bem sabem os lábios meus
Que és do tamanho do Céu
E apenas menor que Deus!
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sábado, 10 de maio de 2008

Meus Rabiscos ...


(Picasso)
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Confidência - Renata Christina
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Amanheço com seus versos
Incandescendo meus desejos
Outrora aflorados em poesia.
Inundo seu profundo mar
Com infinitos e secretos devaneios,
Testemunhados por estrelas
Fiéis companheiras
Nas solitárias horas
De sua gélida ausência.
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sexta-feira, 9 de maio de 2008

Sabedoria das Flores - Artur da Távola

(Tela de Monet)
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Perfume vem de perfumum , do latim. Quer dizer per+fumum , ou
seja, "através da fumaça", no remoto passado já se queimavam
flores olorosas, origem do incenso.
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Homero chamava o lírio de leirion , da palavra lerios , que
significa "pálido delicado". Lendas dão o lírio presente no Jardim do Éden,
quando a Terra era o Paraíso. Ele teria brotado das lágrimas de Eva ao ser expulsa do Paraíso. O que lhe restava (a ela) de puro, o arrependimento, correndo em forma de lágrimas
fez nascer o lírio.
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O nome do lírio é Lilium candidum. Cândido quer dizer branco, puro, imaculado. Também é conhecido como Açucena. O nome
feminino Lílian vem do lírio, em latim.
A propósito do lírio, está nos Cânticos de Salomão: "Minha amada
entre as outras donzelas é como a açucena entre espinhos".
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Quando você der cravos a alguém, saiba o significado deles: o
amarelo e o rosa querem dizer desdém; o vermelho rajado
significa extremos de emoção; o vermelho profundo simboliza "o meu sofrido coração"; o cravo rosa indica ousadia; o vermelho e
rosa quer dizer amor puro e felizardo; o rosa rajado indica
recusa; e o branco e rosa sugere recusa e partida.
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Como sei tudo isso? É que nos escassos espaços de lazer ando a
ler o delicioso livro "A Sabedoria das Flores" da inglesa
Katherine Kear.
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Mas, "p'ra não dizer que não falei das flores",
outras lembranças me vêm a mente, fora do belo libro. Por exemplo três
nomes horrendos para três lindas plantas: barba de barata,
fedegoso e pata de vaca . Que injustiça!
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A barba de barata é um lindo arbusto médio, flores eretas,
confiantes em si mesmas mas sem arrogância e tem outros nome, alguns
bonitos como flor de pavão ou poinciana-anã... Por falar em barba, o
povo deu seu nome a várias flores: além dela, existem a barba
de bode; a barba de cabra e até barba de serpente... Já viu?
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O fedegoso com seu lindo pendão dourado e altivo leva esse nome
fedorento. Mas tem outros que quase ninguém conhece: aleluia ("dá" na
Semana Santa); corruíra e pau-de-cachimbo . E a pobre
pata-de-vaca , boa para o diabetes (a dar flores brancas), com as
folhas em forma de coração? Coitada. Ganhou esse nome horroroso. E não
tem jeito. O outro é pior ainda: para de camelo...
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Uma homenagem ao jornalista Artur da Távola falecido nesta data.
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quinta-feira, 8 de maio de 2008

Sonhar - Helena Kolody


(Tela de Neiva Passuello - Caminhos Floridos de Mikonos)
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Sonhar é transportar-se em asas de ouro e aço
Aos páramos azuis da luz e da harmonia;
É ambicionar o céu; é dominar o espaço
Num vôo poderoso e audaz da fantasia.
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Fugir ao mundo vil, tão vil que sem cansaço
Engana, e menospreza, e zomba, e calunia;
Encastelar-se, enfim, no deslumbrante Paço
De um sonho puro e bom, de paz e de alegria.
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É ver no lago um mar, nas nuvens um castelo,
Na luz de um pirilampo um sol pequeno e belo;
É alçar constantemente o olhar ao céu profundo.
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Sonhar é ter um grande ideal na inglória lida:
Tão grande que não cabe inteiro nesta vida,
Tão puro que não vive em plagas deste mundo.
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quarta-feira, 7 de maio de 2008

Canção de Vidro - Mário Quintana


(Tela de Fuseli - Silêncio)
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E nada vibrou...
Não se ouviu nada...
Nada...
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Mas o cristal nunca mais deu o mesmo som.
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Cala, amigo...
Cuidado, amiga...
Uma palavra só
Pode tudo perder para sempre...
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E é tão puro o silêncio agora!
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terça-feira, 6 de maio de 2008

Momento - Henriqueta Lisboa

(Auto- Retrato de Anita Malfatti)
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Entre os sondados cílios
entornando ternura
de águas foscas - a dúvida.
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Mas dos trêmulos dedos
ao marfim das delongas
num relâmpago - a dádiva.


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segunda-feira, 5 de maio de 2008

Por Rubem Alves

(Tela de Alfredo Anderesen - Porto de Paranaguá)
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"É triste contemplar o belo sozinho.
Beleza solitária dá vontade de chorar".

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domingo, 4 de maio de 2008

Asas e Azares - Paulo Leminski

(Paul Klee)
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Voar com a asa ferida?
Abram alas quando eu falo.
Que mais foi que fiz na vida?
Fiz, pequeno, quando o tempo
estava todo ao meu lado
e o que se chama passado,
passatempo, pesadelo,
só me existia nos livros.
Fiz, depois, dono de mim,
quando tive que escolher
entre um abismo, o começo,
e essa história sem fim.
Asa ferida, asa ferida,
meu espaço, meu herói.
A asa arde. Voar, isso não dói
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sábado, 3 de maio de 2008

O Utopista - Murilo Mendes


(Tela de Neiva Passuello - Caminhos Desencontrados)
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Ele acredita que o chão é duro
Que todos os homens estão presos
Que há limites para a poesia
Que não há sorrisos nas crianças
Nem amor nas mulheres
Que só de pão vive o homem
Que não há um outro mundo.
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sexta-feira, 2 de maio de 2008

Por Alberto Caeiro


(Tela de Neiva Passuello - Série Pinheiros - X)
www.neiva.passuello.com.br
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O Guardador de Rebanhos

II
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O meu olhar é nítido como um girassol,
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do mundo...

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