terça-feira, 29 de setembro de 2009

Lírios de Alma - Pe. Alfredo Vieira de Freitas


(Tela de C. Santiago)
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Gosto tanto dos lírios! Gosto tanto
Do veludo das pétalas mimosas!
Eles são para mim um doce encanto:
Gosto mais deles que das rosas!
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Amo dos lírios brancos a pureza,
Pois são a imagem da minha alma pura...
E amo dos lírios roxos a tristeza,
Que da minha alma são também figura.
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Os lírios roxos como os lírios brancos,
Sem um mimo, florescem nos barrancos,
E lá vegetam sós que nem um monge...
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Assim também vivendo solitário,
Procuro contestar o mundo vário...
Que da Verdade me parece longe...
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(in «Pétalas ao Vento»,
sonetos, Ed.do A., 1985)
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segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Um barco para Ítaca (O Poeta) - Manuel Alegre


(Tela de Norberto Nunes)
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Quando um homem se põe a caminhar
deixa um pouco de si pelo caminho.
Vai inteiro ao partir repartido ao chegar.
resto fica sempre no caminho
quando um homem de põe a caminhar.
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Fica sempre no caminho um recordar
fica sempre no caminho um pouco mais
do que tinha ao partir do que tem ao chegar.
Fica um homem que não volta nunca mai
squando um homem de põe a caminhar.
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Vão-se os rios sem margens para o mar.
Ai rio da memória: só imagens.
O mais é só um verde recordar
é um ficar( sem as levar) nas verdes margens
quando um homem se põe a caminhar.
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quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Bem no fundo - Paulo Leminski

(Tela de Renoir)
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No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
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a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela - silêncio perpétuo
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extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
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mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.
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segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Flor de açucena - Thiago de Mello

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Quando acariciei o teu dorso,
campo de trigo dourado,
minha mão ficou pequena
como uma flor de açucena
que delicada desmaia
sob o peso do orvalho.
Mas meu coração cresceu
e cantou como um menino
deslumbrado pelo brilho
estrelado dos teus olhos.
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Imagem retirada do site:
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terça-feira, 1 de setembro de 2009

Companheiros - Mia Couto


(Tela de Marc Chagall)
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quero
escrever-me de homens
quero
calçar-me de terra
quero ser
a estrada marinha
que prossegue depois do último caminho
e quando ficar sem mim
não terei escrito
senão por vós
irmãos de um sonho
por vós
que não sereis derrotados
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deixo
a paciência dos rios
a idade dos livros
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mas não levo
mapa nem bússola
por que andei sempre
sobre meus pés
e doeu-me
às vezes
viver.
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hei-de inventar
um verso que vos faça justiça
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por ora
basta-me o arco-íris.
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em que vos sonho
basta-te saber que morreis demasiado
por viverdes de menos
mas que permaneceis sem preço.
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companheiros
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