quinta-feira, 31 de julho de 2008

Leitura & Sensibilidade - Davi Cartes Alves

(Tela de Rob Gonsalves)
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Um dos maiores benefícios da leitura
é aguçar nossa sensibilidade
primeiro, de nós para com nós mesmos
depois, de nós para com o próximo
e então para com a vida, e o mundo
de modo geral
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Essa sensibilidade que adquirimos
engolfa nossa alma em paz
pois substituímos as inquietações barulhentas
por cantatas de riachos,
musica suave de brisa,
equilíbrio & harmonia
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virtudes,
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quarta-feira, 30 de julho de 2008

Gestos - Helena Kolody


(Tela de Paul Gauguin)
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Há gestos de dizer
e gestos de calar,
de pedir, de sofrer,
de ferir, de salvar.
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Gestos densos e fechados como esferas,
gestos leves, radiantes como a luz.
Ondas que nascem, morrem e renascem
ao influxo poderoso das marés.
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terça-feira, 29 de julho de 2008

Sábio - Ricardo Reis

(Tela de Neiva Passuello)
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Sábio é o que se contenta com o espetáculo do mundo,
E ao beber nem recorda
Que já bebeu na vida,
Para quem tudo é novo
E imarcescível sempre.
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Coroem-no pâmpanos, ou heras, ou rosas volúteis,
Ele sabe que a vida
Passa por ele e tanto
Corta à flor como a ele
De Átropos a tesoura.
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Mas ele sabe fazer que a cor do vinho esconda isto,
Que o seu sabor orgíaco
Apague o gosto às horas,
Como a uma voz chorando
O passar das bacantes.
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E ele espera, contente quase e bebedor tranqüilo,
E apenas desejando
Num desejo mal tido
Que a abominável onda
O não molhe tão cedo.
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segunda-feira, 28 de julho de 2008

Desafio - Orides Fontela


(Tela de Monet)
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Contra as flores que vivo
contra os limites
contra a aparência a atenção pura
constrói um campo sem mais jardim
que a essência.
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domingo, 27 de julho de 2008

Confissão - Mário Quintana


(Tela de Monet)
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Que esta minha paz e este meu amado silêncio
Não iludam a ninguém
Não é a paz de uma cidade bombardeada e deserta
Nem tampouco a paz compulsória dos cemitérios
Acho-me relativamente feliz
Porque nada de exterior me acontece...
Mas,
Em mim, na minha alma,
Pressinto que vou ter um terremoto!
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sábado, 26 de julho de 2008

Por Rubem Alves ...


(Tela de Gustav Klimt)
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"Compreendi que a vida não é uma sonata que,para realizar sua beleza, tem que ser tocada até o fim. Dei-me conta, ao contrário, de que a vida é um álbum de minissonatas. Cada momento de beleza vivido e amado, por efêmero que seja,é uma experiência completa que está destinada à eternidade. Um único momento de beleza e de amor justifica a vida inteira."
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Referência: Livro "Concerto para Corpo e Alma".
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sexta-feira, 25 de julho de 2008

Às Vezes - Álvaro de Campos


(Tela de Van Gogh)
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Às vezes tenho idéias felizes,
Idéias subitamente felizes, em idéias
E nas palavras em que naturalmente se despegam...
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Depois de escrever, leio...
Por que escrevi isto?
Onde fui buscar isto?
De onde me veio isto? Isto é melhor do que eu...
Seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta
Com que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?...
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quarta-feira, 23 de julho de 2008

Amanhã - Gonçalves Dias


(Tela de Seurat)
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Amanhã! - é o sol que desponta,
a aurora de róseo fulgor,
É a pomba q passa e que estampa
Leve sombra de um lago na flor.
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Amanhã! - é a folha orvalhada,
É a rola a carpir-se de dor,
É da brisa o suspiro, - é das aves
Ledo canto, - é da fonte - o frescor.
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Amanhã! - são acasos da sorte;
O queixume, o prazer, o amor,
O triunfo q a vida nos doura,
Ou a morte de baço palor.
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Amanhã! - é o vento q ruge,
A procela d'horrendo fragor,
É a vida no peito mirrada,
Mal soltando um alento de dor.
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Amanhã! - é a folha pendida.
É a fonte sem meigo frescor,
São as aves sem canto, são bosques
Já sem folhas, e o sol sem calor.
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Amanhã! - são acasos da sorte!
É a vida no seu amargor,
Amanhã! - o triunfo, ou a morte;
Amanhã! - o prazer, ou a dor!
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Amanhã! - o que vale, se hoje existes!
Folga e ri de prazer e de amor;
Hoje o dia nos cabe e nos toca,
De amanhã Deus somente é Senhor!
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segunda-feira, 21 de julho de 2008

Bons Amigos - Machado de Assis


(Tela de Paul Gauguin)
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Abençoados os que possuem amigos,
os que os têm sem pedir.
Porque amigo não se pede,
não se compra, nem se vende.
Amigo a gente sente!
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Benditos os que sofrem por amigos, os que falam com o olhar.
Porque amigo não se cala, não questiona, nem se rende.
Amigo a gente entende!
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Benditos os que guardam amigos, os que entregam o ombro pra chorar.
Porque amigo sofre e chora.
Amigo não tem hora pra consolar!
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Benditos sejam os amigos que acreditam na tua verdade
ou te apontam a realidade. Porque amigo é a direção.
Amigo é a base quando falta o chão!
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Benditos sejam todos os amigos de raízes, verdadeiros.
Porque amigos são herdeiros da real sagacidade.
Ter amigos é a melhor cumplicidade!
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Há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinho,
Há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas!
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sexta-feira, 18 de julho de 2008

Desencanto - Manuel Bandeira


(Tela de Marc Chagall)
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Eu faço versos como quem chora
De desalento. . . de desencanto. . .
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
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Meu verso é sangue. Volúpia ardente. . .
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
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E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca..
- Eu faço versos como quem morre
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quarta-feira, 16 de julho de 2008

Murmúrio - Cecília Meireles


(Tela de Renoir)
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Traze-me um pouco das sombras serenas
que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
- vê que nem te peço alegria.
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Traze-me um pouco da alvura dos luares
que a noite sustenta no teu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
- vê que nem te peço ilusão.
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Traze-me um pouco da tua lembrança,
aroma perdido, saudade da flor!
- Vê que nem te digo - esperança!
- Vê que nem sequer sonho - amor!
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terça-feira, 15 de julho de 2008

Por Guimarães Rosa ...


(Sertão - Mauro Andriole)
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"O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. O que Deus quer é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre a mais, no meio da alegria, e inda mais alegre ainda no meio da tristeza! Só assim de repente, na horinha em que se quer, de propósito – por coragem. Será? Era o que eu às vezes achava. Ao clarear do dia ."
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segunda-feira, 14 de julho de 2008

Azul Profundo - Henriqueta Lisboa



(Tela de Wassily Kandinsky)
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Azul profundo, ó bela
noite inefável dos
pensamentos de amor!
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Ó estrela perfeita
sobre o espesso horizonte!
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Ó ternura dos lagos
refletindo montanhas!
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Ó virginal odor
de primavera derradeira!
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Ó tesouro desconhecido
por toda a eternidade!
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Ó luz da solidão,
ó nostalgia, ó Deus!
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domingo, 13 de julho de 2008

Papoulas de Julho - Sylvia Plath

(Tela de Monet)
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Ó papoulinhas pequenas flamas do inferno,
Então não fazem mal?
Vocês vibram.
É impossível tocá-las.
Eu ponho as mãos entre as flamas.
Nada me queima.
E me fatiga ficar a olhá-las
Assim vibrantes, enrugadas e rubras,
como a pele de uma boca.
Uma boca sangrando.
Pequenas franjas sangrentas!
Há vapores que não posso tocar.
Onde estão os narcóticos,
as repugnantes cápsulas?
Se eu pudesse sangrar, ou dormir !
Se minha boca pudesse unir-se a tal ferida !
Ou que seus licores filtrem-se em mim,
nessa cápsula de vidro,
Entorpecendo e apaziguando.
Mas sem cor.
Sem cor alguma.
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sábado, 12 de julho de 2008

Por Rubem Alves ...


(Tela de Neiva Passuello)
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"É preciso muito pouco. A alegria está muito próxima.
Mora no momento.
Perdemos a alegria porque pensamos que ela virá no futuro,
depois de algum evento portentoso que mudará nossa vida".
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quinta-feira, 10 de julho de 2008

Doente - Auta de Souza

(Tela de Bernardo Cid)
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A lua veio... foi-se... e em breve ainda,
Há de voltar, a doce lua amada,
Sem que eu a veja, a minha fada linda,
Sem que eu a veja, a minha boa fada.
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Ela há de vir, Ofélia desmaiada,
Sob as nuvens do céu na alvura infinda
Do seu branco roupão, noiva gelada,
Boiando à flor de um rio que não finda.
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Ela há de vir, sem que eu a veja... Entanto,
Com que tristezas e saudoso encanto
Choro estas noites que passando vão...
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Ó lua! mostra-me o teu rosto ameno:
Olha que murcha à falta de sereno
O lírio roxo do meu coração!
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quarta-feira, 9 de julho de 2008

Sedução - Adélia Prado


(Tela de Tarsila do Amaral)
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A poesia me pega com sua roda dentada,
me força a escutar imóvel
o seu discurso esdrúxulo.
Me abraça detrás do muro, levanta
a saia pra eu ver, amorosa e doida.
Acontece a má coisa, eu lhe digo,
também sou filho de Deus,
me deixa desesperar.
Ela responde passando
a língua quente em meu pescoço,
fala pau pra me acalmar,
fala pedra, geometria,
se descuida e fica meiga,
aproveito pra me safar.
Eu corro ela corre mais,
eu grito ela grita mais,
sete demônios mais forte.
Me pega a ponta do pé
e vem até na cabeça,
fazendo sulcos profundos.
É de ferro a roda dentada dela.
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terça-feira, 8 de julho de 2008

Breve o Dia - Ricardo Reis



(Tela de Anita Malfatti)
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Breve o dia, breve o ano, breve tudo.
Não tarda nada sermos.
Isto, pensado, me de a mente absorve
Todos mais pensamentos.
O mesmo breve ser da mágoa pesa-me,
Que, inda que mágoa, é vida.

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sexta-feira, 4 de julho de 2008

De cara lavada - 177 - Martha Medeiros


(Tela de Frida Khalo)
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hoje me desfiz dos meus bens
vendi o sofá cujo tecido desenhei
e a mesa de jantar onde fizemos planos
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o quadro que fica atrás do bar
rifei junto com algumas quinquilharias
da época em que nos juntamos
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a tevê e o aparelho de som
foram adquiridos pela vizinha
testemunha do quanto erramos
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a cama doei para um asilo
sem olhar pra trás e lembrar
do que ali inventamos
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aquele cinzeiro de cobre
foi de brinde com os cristais
e as plantas que não regamos
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coube tudo num caminhão de mudança
até a dor que não soubemos curar
mas que um dia vamos
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quinta-feira, 3 de julho de 2008

Violeta - Casemiro de Abreu


(Tela de Seraut)
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Sempre teu lábio severo
Me chama de borboleta!
– Se eu deixo as rosas do prado
É só por ti – violeta!
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Tu és formosa e modesta,
As outras são tão vaidosas!
Embora vivas na sombra
Amo-te mais do que às rosas.
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A borboleta travessa
Vive de sol e de flores.
– Eu quero o sol de teus olhos,
O néctar dos teus amores!
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Cativo de teu perfume
Não mais serei borboleta;
– Deixa eu dormir no teu seio,
Dá-me o teu mel – violeta!
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quarta-feira, 2 de julho de 2008

Língua Mater Dolorosa - Natália Correia


(Tela de Di Cavalcanti)
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Tu que foste do Lácio a flor do pinho
dos trovadores a leda a bem-talhada
de oito séculos a cal o pão e o vinho
de Luiz Vaz a chama joalhada
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tu u casulo o vaso o ventre o ninho
e que sôbolos rios pendurada
foste a harpa lunar do peregrino
tu que depois de ti não há mais nada,
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eis-te bobo da corja coribântica:
a canalha apedreja-te a semântica
e os teus verbos feridos vão de maca.
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Já na glote és cascalho és malho és míngua,
de brisa barco e bronze foste a língua;
língua serás ainda... mas de vaca.
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terça-feira, 1 de julho de 2008

Noturno de Chopin - Pedro Nava



(Tela de Klimt)
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Eu fico todo bestificado olhando a lua
enquanto as mãos brasileiras de você
fazem fandango no Chopin
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Tem uma voz gritando lá na rua:
Amendoim torrado
tá cabano tá no fim...
Coitado do Chopin! Tá acabando tá no fim...
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Amor: a lua tá doce lá fora
o vento tá doce bulindo nas bananeiras
tá doce esse aroma das noites mineiras:
cheiro de gigilim manga-rosa jasmim.
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Os olhos de você, amor...
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O Chopin derretido tá maxixe
meloso
gostoso
(os olhos de você, amor...)
correndo que nem caldo
na calma da noite belo horizonte.
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