segunda-feira, 30 de junho de 2008

Por Érico Veríssimo ...


(Tela de Neiva Passuello)
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"A gente foge da solidão quando tem medo dos próprios pensamentos".
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domingo, 29 de junho de 2008

Nunca e Sempre - Helena Kolody


(Tela de Neiva Passuello)
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Sempre cheguei tarde
ou cedo demais.
Não vi a felicidade acontecer.
Nunca floresceram
em minha primavera
as rosas que sonhei colher.
Mas, sempre os passarinhos
cantaram
e fizeram ninhos
pelos beirais
do meu viver.
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sábado, 28 de junho de 2008

Campos Entardecidos - Jorge Luis Borges


(Tela de E. Munch)
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O poente em pé como um Arcanjo
tiranizou o caminho.
A solidão povoada como um sonho
remanseou-se ao redor do vilarejo.
Os cincerros recolhem a tristeza
dispersa dessa tarde.
A lua nova
é um fio de voz que vem do céu.
Conforme vai anoitecendo
volta a ser campo o vilarejo.
O poente que não cicatriza
ainda fere a tarde.
As cores trêmulas se acolhem
nas entranhas das coisas.
No aposento vazio
a noite fechará os espelhos.
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sexta-feira, 27 de junho de 2008

Por Clarice Lispector...


(Tela de Michelangelo)
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Gosto dos venenos mais lentos,
do café mais amargo,
das idéias mais loucas,
dos pensamentos mais complexos,
dos sentimentos mais fortes !
Você pode até me empurrar
de um penhasco...
que eu vou dizer:
eu amo Voar!!
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quinta-feira, 26 de junho de 2008

Discurso - Cecília Meireles


(Tela de Van Gogh)
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E aqui estou, cantando.
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Um poeta é sempre irmão do vento e da água:
deixa seu ritmo por onde passa.
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Venho de longe e vou para longe:
mas procurei pelo chão os sinais do meu caminho
e não vi nada, porque as ervas cresceram e as serpentes
andaram.
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Também procurei no céu a indicação de uma trajetória,
mas houve sempre muitas nuvens.
E suicidaram-se os operários de Babel.
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Pois aqui estou, cantando.
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Se eu nem sei onde estou,
como posso esperar que algum ouvido me escute?
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Ah! Se eu nem sei quem sou,
como posso esperar que venha alguém gostar de mim?
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quarta-feira, 25 de junho de 2008

Que Sabes do Fim? - Menotti del Picchia


( Tela de Renoir)
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Goza a euforia do anjo perdido em ti.
Não indague se nossas estradas, tempo e vento, desabam no abismo.
Que sabes tu do fim?
Se temes que teu mistério seja uma noite, enche-o de estrelas...
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No deslumbramento da ascensão,
se pressentires que amanhã estarás mudo,
esgota como um pássaro, as canções que tens na garganta.
Canta, canta...
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Talvez as canções adormeçam as feras
que esperam devorar o pássaro.
Desde que nasceste não és mais que um vôo,
no tempo, rumo ao céu?
Que importa a rota!
Voa e canta enquanto resistirem as asas...
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terça-feira, 24 de junho de 2008

O Pavão - Rubem Braga


(Tela de Edgar Maxence)
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Eu considerei a glória de um pavão ostentando o esplendor de suas cores; é um luxo imperial. Mas andei lendo livros, e descobri que aquelas cores todas não existem na pena do pavão. Não há pigmentos. O que há são minúsculas bolhas d'água em que a luz se fragmenta, como em um prisma. O pavão é um arco-íris de plumas.
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Eu considerei que este é o luxo do grande artista, atingir o máximo de matizes com o mínimo de elementos. De água e luz ele faz seu esplendor; seu grande mistério é a simplicidade.
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Considerei, por fim, que assim é o amor, oh! minha amada; de tudo que ele suscita e esplende e estremece e delira em mim existem apenas meus olhos recebendo a luz de teu olhar. Ele me cobre de glórias e me faz magnífico.
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segunda-feira, 23 de junho de 2008

Madrigal - José Saramago


(Tela de Salvador Dalí)
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Foi milagre?
Idéia louca.
Mas que mais posso dizer
Desta profunda alegria
De ver a alma aparecer
No riso da tua boca?
Ainda se fosse a tua,
Entendia,
Mas a minha que faz lá?
Parece um caso da lua
(Tais coisas não são de cá)
Andar-me a alma contigo:
Foi milagre.
Bem o digo.
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sexta-feira, 20 de junho de 2008

O Passado - Cora Coralina


(Tela de Guido Viaro)
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Homens sem pressa, talvez cansados,
descem com leva madeirões pesados,
lavrados por escravos em rudes simetrias,
do tempo das acutas.
Inclemência.
Caem pedaços na calçada.
Passantes cautelosos desviam-se com prudência.
Que importa a eles o sobrado?
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Gente que passa indiferente,
olha de longe,
na dobra das esquinas,
as traves que despencam.
- Que vale para eles o sobrado?
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Quem vê nas velhas sacadas de ferro forjado as sombras debruçadas?
Quem é que está ouvindo o clamor, o adeus, o chamado?...
Que importa a marca dos retratos na parede?
Que importam as salas destelhadas,
e o pudor das alcovas devassadas...
Que importam?
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E vão fugindo do sobrado,
aos poucos,
os quadros do Passado.
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quinta-feira, 19 de junho de 2008

Por Pedro Kilkerry...


(Tela de Portinari - Meninos no Balanço)
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Sobre um mar de rosas que arde
Em ondas fulvas, distante,
Erram meus olhos, diamante,
Como as naus dentro da tarde.
Asas no azul, melodias,
E as horas são velas fluidas
Da nau em que, oh! alma, descuidas
das esperanças tardias.
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quarta-feira, 18 de junho de 2008

Hora - Sophia de Mello Breyber Andresen


(Tela de W. Maguetas)
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Sinto que hoje novamente embarco
Para as grandes aventuras,
Passam no ar palavras obscuras
E o meu desejo canta --- por isso marco
Nos meus sentidos a imagem desta hora.
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Sonoro e profundo
Aquele mundo
Que eu sonhara e perdera
Espera
O peso dos meus gestos.
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E dormem mil gestos nos meus dedos.
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Desligadas dos círculos funestos
Das mentiras alheias,
Finalmente solitárias,
As minhas mãos estão cheias
De expectativa e de segredos
Como os negros arvoredos
Que baloiçam na noite murmurando.
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Ao longe por mim oiço chamando
A voz das coisas que eu sei amar.
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E de novo caminho para o mar.
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terça-feira, 17 de junho de 2008

Por Alice Ruiz


(Tela de Monet)
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Que o breve seja de
um longo pensar.
Que o longo seja de
um curto sentir.
Que tudo seja leve de
tal forma que o tempo nunca leve
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segunda-feira, 16 de junho de 2008

Por Alice Ruiz ...


(Tela de Tarsila do Amaral - A Lua)
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"Sou uma moça polida
levando
uma vida lascada"
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quinta-feira, 12 de junho de 2008

Projeto de Prefácio - Mário Quintana


(Tela de Matisse - Vasellame)
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Sábias agudezas... refinamentos...
- não!
Nada disso encontrarás aqui.
Um poema não é para te distraíres
como com essas imagens mutantes de caleidoscópios.
Um poema não é quando te deténs para apreciar um detalhe
Um poema não é também quando paras no fim,
porque um verdadeiro poema continua sempre...
Um poema que não te ajude a viver e não saiba preparar-te para a morte
não tem sentido: é um pobre chocalho de palavras.
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terça-feira, 10 de junho de 2008

Poema recebido do amigo Manuel Marques


(Fotografia de Leonor Cordeiro)
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Cuando por veces me siento arriba de un lagos
in que la fuerza de la gravedad
me arrastre para su fundo
cierre los ojos
agiganto las ganas
profundizo la necesidad
de sólo olvidar
el Invierno
en su último día
como si la vida fuese a huir
y nada más hubiese
a gastar
desear sólo brillar
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Cuando por veces floto
en un adiós amargado
figurado por la ausencia
vientos en espiralde demónio
sólo uno harmónio
sentimientos sueltos
en reluzentes árboles
frondosas offices
y hojas en caída
frutos maduros
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Cuando por veces levito sin el saber
sólo un simple momento
para respirar
absorber el pedazo
de tiempo y a tiempo
de descubrir esa esencia
de fuerte deseo
de amor, sonrisas
feminidad en Sol mayor
mundo encantado en Re
o sin limitaciones sólo un beso
un sentido para olvidar
que lo virtual es lo normal
el seminal sentidode nuevas amistades
nuevas ganas
y la musa que canta
‘Quelli erano giorni'
y la Dios
a en el topo de un mundo
que jamás alcanzaré
sin ser por el corazón de oro
por los tesoros y encanto
sin pecados
sin creídos o pedazos
falsificados
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Cuando lo deseo irrumpe en llamas
oh niña de sonrisa dulce
viajo en vuelo planante por tu memoria
por los versos de encanto
tamaño sentimiento
y si un día morir de golpe
quiero que lo sepas
¡eres la esencia del amor a través del tiempo!
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segunda-feira, 9 de junho de 2008

Eu sei, mas não devia - Marina Colasanti


(Tela de Theodoro de Bona - Montanha do Marumbi)
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Eu sei que a gente se acostuma.
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Mas não devia.
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A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e a não ter outra vista que não as anelas ao redor. E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E porque à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
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A gente se acostuma a acordar de manhã, sobressaltado porque está na hora.
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A tomar café correndo porque está atrasado. A ler jornal no ônibus porque não pode perder o empo da viagem. A comer sanduíches porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia. A gente se acostuma a abrir a janela e a ler sobre a guerra. E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E aceitando as negociações de paz, aceitar ler todo dia de guerra, dos números da longa duração. A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que paga. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com o que pagar nas filas em que se cobra.
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A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes, a abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema, a engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
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A gente se acostuma à poluição. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às besteiras das músicas, às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À luta. À lenta morte dos rios. E se acostuma a não ouvir passarinhos, a não colher frutas do pé, a não ter sequer uma planta.
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A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda satisfeito porque tem sono atrasado. A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
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Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito.
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A gente se acostuma para poupar a vida.
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Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma.
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domingo, 8 de junho de 2008

Ah, um soneto... - Álvaro de Campos

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Meu coração é um almirante louco
que abandonou a profissão do mar
e que a vai relembrando pouco a pouco
em casa a passear, a passear...
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No movimento (eu mesmo me desloco
nesta cadeira, só de o imaginar)
o mar abandonado fica em foco
nos músculos cansados de parar.
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Há saudades nas pernas e nos braços.
Há saudades no cérebro por fora.
Há grandes raivas feitas de cansaços.
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Mas - esta é boa! - era do coração
que eu falava...e onde diabo estou eu agora
com almirante em vez de sensação?...
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quarta-feira, 4 de junho de 2008

Por Rubem Alves


(Tela de Neiva Passuello - A Poucos Passos do Bosque)
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“Um amigo é uma pessoa com quem se tem prazer em compartilhar idéias de forma tranqüila e mansa. Não é preciso estar de acordo”.
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terça-feira, 3 de junho de 2008

Ode à Paz - Natália Correia


(Tela de Paul Klee)
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Pela verdade, pelo riso, pela luz, pela beleza,
Pelas aves que voam no olhar de uma criança,
Pela limpeza do vento, pelos actos de pureza,
Pela alegria, pelo vinho, pela música, pela dança,
pela branda melodia do rumor dos regatos,
Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro dia,
Pelas flores que esmaltam os campos, pelo sossego, dos pastos,
Pela exactidão das rosas, pela Sabedoria,
Pelas pérolas que gotejam dos olhos dos amantes,
Pelos prodígios que são verdadeiros nos sonhos,
Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas radiantes,
Pelos aromas maduros de suaves outonos,
Pela futura manhã dos grandes transparentes,
Pelas entranhas maternas e fecundas da terra,
Pelas lágrimas das mães a quem nuvens sangrentas
Arrrebatam os filhos para a torpeza da guerra,
Eu te conjuro ó paz, eu te invoco ó benigna,
Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz,
Com tuas mãos que abatem as bandeiras da ira,
Com o teu esconjuro da bomba e do algoz,
Abre as portas da História, deixa passar a Vida!
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O Sol nas Noites e o Luar nos Dias, II
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segunda-feira, 2 de junho de 2008

As Seis Cordas - Federico García Lorca


(Tela de Siron Franco)
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A guitarra
faz soluçar os sonhos.
O soluço das almas
perdidas
foge por sua boca
redonda.
E, assim como a tarântula,
tece uma grande estrela
para caçar suspiro
sque bóiam no seu negro
abismo de madeira.
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