segunda-feira, 30 de novembro de 2009

O nascimento do homem - Vinícius de Moraes



(Tela de Renoir)
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I
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E uma vez, quando ajoelhados assistíamos à dança nua das auroras
Surgiu do céu parado como uma visão de alta serenidade
Uma branca mulher de cujo sexo a luz jorrava em ondas
E de cujos seios corria um doce leite ignorado.
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Oh, como ela era bela! era impura – mas como ela era bela!
Era como um canto ou como uma flor brotando ou como um cisne
Tinha um sorriso de praia em madrugada e um olhar evanescente
E uma cabeleira de luz como uma cachoeira em plenilúnio.
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Vinha dela uma fala de amor irresistível
Um chamado como uma canção noturna na distância
Um calor de corpo dormindo e um abandono de onda descendo
Uma sedução de vela fugindo ou de garça voando.
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E a ela fomos e a ela nos misturamos e a tivemos...
Em véus de neblina fugiam as auroras nos braços do vento
Mas que nos importava se também ela nos carregava nos seus braços
E se o seu leite sobre nós escorria e pelo céu?
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Ela nos acolheu, estranhos parasitas, pelo seu corpo desnudado
E nós a amamos e defendemos e nós no ventre a fecundamos
Dormíamos sobre os seus seios apoiados ao clarão das tormentas
E desejávamos ser astros para inda melhor compreendê-la.
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Uma noite o horrível sonho desceu sobre as nossas almas sossegadas
A amada ia ficando gelada e silenciosa – luzes morriam nos seus olhos...
Do seu peito corria o leite frio e ao nosso amor desacordada
Subiu mais alto e mais além, morta dentro do espaço.
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Muito tempo choramos e as nossas lágrimas inundaram a terra
Mas morre toda a dor ante a visão dolorosa da beleza
Ao vulto da manhã sonhamos a paz e a desejamos
Sonhamos a grande viagem através da serenidade das crateras.
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Mas quando as nossas asas vibraram no ar dormente
Sentimos a prisão nebulosa de leite envolvendo as nossas espécies
 Via Láctea – o rio da paixão correndo sobre a pureza das estrelas
A linfa dos peitos da amada que um dia morreu.
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Maldito o que bebeu o leite dos seios da virgem que não era mãe mas era amante
Maldito o que se banhou na luz que não era pura mas ardente
Maldito o que se demorou na contemplação do sexo que não era calmo mas amargo
O que beijou os lábios que eram como a ferida dando sangue!
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E nós ali ficamos, batendo as asas libertas, escravos do misterioso plasma
Metade anjo, metade demônio, cheios de euforia do vento e da doçura do cárcere remoto
Debruçados sobre a terra, mostrando a maravilhosa essência da nossa vida
Lírios, já agora turvos lírios das campas, nascidos da face lívida da morte.
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II
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Mas vai que havia por esse tempo nas tribos da terra
Estranhas mulheres de olhos parados e longas vestes nazarenas
que tinham o plácido amor nos gestos tristes e serenos
E o divino desejo nos frios lábios anelantes.
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E quando as noites estelares fremiam nos campos sem lua
E a Via Láctea como uma visão de lágrimas surgia
Elas beijavam de leve a face do homem dormindo no feno
E saíam dos casebres ocultos, pelas estradas murmurantes.
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E no momento em que a planície escura beijava os dois longínquos horizontes
E o céu se derramava iluminadamente sobre a várzea
Iam as mulheres e se deitavam no chão paralisadas
As brancas túnicas abertas e o branco ventre desnudado.
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E pela noite adentro elas ficavam, descobertas
O amante olhar boiando sobre a grande plantação de estrelas
No desejo sem fim dos pequenos seres de luz alcandorados
Que palpitavam na distância numa promessa de beleza.
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E tão eternamente os desejavam e tão na alma os possuíam
Que às vezes desgravitados uns despenhavam-se no espaço
E vertiginosamente caíam numa chuva de fogo e de fulgores
Pelo misterioso tropismo subitamente carregados.
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Nesse instante, ao delíquio de amor das destinadas
Num milagre de unção, delas se projetava à altura
Como um cogumelo gigantesco um grande útero fremente
Que ao céu colhia a estrela e ao ventre retornava.
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E assim pelo ciclo negro da pálida esfera através do tempo
Ao clarão imortal dos pássaros de fogo cruzando o céu noturno
As mulheres, aos gritos agudos da carne rompida de dentro
Iam se fecundando ao amor puríssimo do espaço.
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E às cores da manhã elas voltavam vagarosas
Pelas estradas frescas, através dos vastos bosques de pinheiros
E ao chegar, no feno onde o homem sereno inda dormia
Em preces rituais e cantos místicos velavam.
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Um dia mordiam-lhes o ventre, nas entranhas – entre raios de sol vinha tormenta…
sofriam... e ao estridor dos elementos confundidos
Deitavam à terra o fruto maldito de cuja face transtornada
As primeiras e mais tristes lágrimas desciam.
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Tinha nascido o poeta. Sua face é bela, seu coração é trágico
Seu destino é atroz; ao triste materno beijo mudo e ausente
Ele parte! Busca ainda as viagens eternas da origem
Sonha ainda a música um dia ouvida em sua essência.
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2 comentários:

Maurélio disse...

O Poetinha é inesquecível.
Bjss amiga Renata.
Agora tenho um blog, visite e siga-me na caminhada, me honraria muito.

EDUARDO POISL disse...

"... E de novo acredito que nada do que é
importante se perde verdadeiramente.
Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas,
dos instantes e dos outros.
Comigo caminham todos os mortos que amei,
todos os amigos que se afastaram,
todos os dias felizes que se apagaram.
Não perdi nada,
apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre."

Miguel Sousa Tavares

Abraços com todo meu carinho.
Uma linda semana com muito amor e carinho.