quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

O apanhador de desperdícios - Manoel de Barros



(Tela de Portinari)
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Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água, pedra, sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos,
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:eu sou da invencionática.

Só uso a palavra para compor meus silêncios
..

Um comentário:

poesias e girassóis disse...

Lindas palavras de Manoel de Barros.
Teu blog é surpreendentemente maravilhoso, ele renova-se com as manhãs. Beijo